terça-feira, 18 de agosto de 2009

Capítulos I, II e III

Capítulo I – Doce Rotina. (em 21 de Julho de 2008)

Chuva. Era o que eu temia. Se acordar cedo já era tenebroso demais pra mim, acordar cedo com barulho de chuva forte na minha janela era pior ainda. Pelo menos minha mãe ainda não veio bater à minha porta com aquele gritinho irritante que ela faz questão de dar todas as manhãs. Ou pelo menos era o que eu pensava.

- Alice! Levanta, menina. Já passou da hora, você vai se atrasar de novo!

Lá vem ela. Mais cedo do que eu pensava. Será que ela nunca vai perceber o quão irritante sua voz era capaz de ser àquela altura da madrugada? Ok. Não era tão cedo assim. Eu estava realmente atrasada, mas nada que um bom banho não ajude na “arte de despertar”.

Tomei um banho morno, lavei os cabelos e saí do banheiro com uma toalha embolada na cabeça. Passei em frente ao espelho, observando minhas olheiras insistentes. Nem maquiagem resolveria aquilo... Quem sabe um dia. Não é? Talvez. Acho que isso também deveria entrar no meu bloquinho de anotações.



Coisas que devem mudar em Alice Müller:

- roupas novas, o mais rápido possível;

- mudar o tom, ou, se possível, a cor dos meus cabelos;

- alisar os cabelos, de preferência (essas ondas saíram de moda desde o século passado);

- parar de roer as unhas, definitivamente;

- entrar numa aula de Yoga e aprender a me controlar mais emocionalmente;

- passar de ano;

- ser mais vaidosa (lê-se: SER vaidosa);

E, agora, não menos importante:
- dormir bem e perder as olheiras.

Sempre tive certeza de que minha lista estava constantemente precisando de atualizações. Até hoje me pergunto o porquê da minha mãe me oferecer a todos os filhos das amigas dela. Quer dizer, eu NÃO SOU um objeto e NUNCA FUI um, afinal. Mas, às vezes, uma pontada de incerteza paira sobre a minha cabeça; acho que ela teme o mesmo que eu. Morrer sozinha.

Minha mãe é uma mulher linda. Alta, esguia, cabelos curtos e lisos, num tom dourado que fica reluzente ao sol. É inteligente, bem resolvida profissionalmente e aprecia uma boa música – pra gente da idade dela. Não sei como ela não arranjou um namorado até hoje. Quero dizer, desde... Desde que vivemos assim. Só eu e ela. E o Pipoca, meu hamster de estimação. Isso me fez lembrar que ainda não troquei a água do coitado.
Coloquei uma roupa quente, penteei os cabelos e desci para o café-da-manhã. Não que eu sinta muita fome há essa hora, mas uma vez eu li em uma revista – dessas femininas, baratas, e sem muito conteúdo útil – que não é bom passar muito tempo sem comer. Resolvi dar atenção à única matéria que, provavelmente, prestava em meio a tantas fotos e propagandas e fui atrás de um bom pedaço de pão. Ao chegar à cozinha, me deparei com as costas cobertas de minha mãe, preparando o que mais parecia ser um sanduíche natural.



- Mais uma tentativa de dieta, mãe? – não sei o que ela quer perder ali.


Ela olhou pra mim, inicialmente incrédula com o sarcasmo de minha voz ao lhe perguntar e, logo depois, soltou uma risada.


- Tudo em prol da ditadura da beleza, filha. Já comeu?

Outra coisa que mamãe precisava mudar, além dos gritinhos irritantes todas as manhãs, eram as perguntas óbvias demais que eu me via obrigada a responder para não deixá-la sem graça.
Apenas neguei com a cabeça e comecei a preparar meu café. Nada tão exagerado, na verdade. Eu ainda estava sem fome. Peguei o tão procurado pedaço de pão e o pequeno copo de café morno.

- Er... Mãe? – olhei-a enquanto mastigava calmamente.

- Filha. – ela olhou-me rapidamente e voltou sua atenção no sanduíche natural.

- Por acaso o André disse que ia se atrasar?

André, meu melhor amigo e minha carona garantida todas as manhãs, sempre fora muito pontual. Na verdade ele sempre fora certo demais. Pelo menos alguém tinha que ser.
- Bom, ele não ligou, nem avisou nada. Aposto que daqui a pouco você ouve a buzina. – ela sorriu levemente e me olhou – Você vai assim? Quero dizer... Alice, você tem roupas tão bonitas, por que sempre anda do mesmo jeito?

- Ora, porque eu gosto. E a senhora sabe disso. – Bufei e logo ouvi a buzina de André tocando.
Minha mãe tem sempre razão, e às vezes isso me assusta um pouco. É estranho como tudo que ela fala acontece. Não que a chegada do Deco em alguns minutos não fosse óbvia, mas ela sempre advinha.

– Enfim, preciso ir mãe. Tchau e se cuida. – estalei um beijo em sua bochecha esquerda como sempre faço e saí andando até a porta da frente.

- Tchau, filha. Boa sorte, eu te amo. – ela apenas acenou e eu fiz o mesmo.

Tranquei a porta. A chuva já tinha parado e me deparei com André dentro do carro, batendo no volante enquanto se distraia com uma música qualquer que tocava na rádio local. E, céus, como ele mudou desde a primeira vez em que nos vimos. Eu me lembro até hoje do dia em que ele se mudou pra minha rua, e me chamou pra brincar pela primeira vez. Dois pirralhos, eu com 9 e ele com 11 anos. E agora, depois de 7 anos, estamos aqui, com a mesma e forte amizade de sempre. Eu continuo a mesma pirralha branquela e distraída, mas ele não. Agora ele é um dos caras mais bonitos do colégio.

Aqueles olhos negros penetrantes em contraste com o cabelo quase loiro meio arrumadinho e as leves elevações visíveis em suas mangas eram de tirar o fôlego de qualquer menina do Instituto Santa Cruz – nosso colégio. Qualquer menina do colégio, com exceção de mim, é claro. Aquele olhar sedutor do André nunca me causou muito efeito, apesar de que, mesmo negando, ele já tentou usá-lo contra a mim.

- Bom dia, Deco. – sorri ao abrir a porta do carona, me sentar ao lado dele e estalar um beijo em sua testa.

- Bom dia, Pirralha. E, caramba! Já falei pra não me chamar assim. Você sabe que eu não gosto. – ele bufou levemente e arrancou com o carro.

- Acontece que eu te chamo assim desde que te conheci, e não é porque agora você anda mais fresco que o normal que eu vou parar de chamar de Deco, Deco. – sorri vitoriosa olhando pra ele.

- Você não muda mesmo, não é? – ele riu e mordeu minha bochecha esquerda levemente.

E assim seguimos. A rotina começava... Será que esse ano vai ser tão intediante quanto os outros? Acho que ainda não está na hora de eu pensar nessas coisas. Preciso mesmo procurar a minha nova sala. Chegamos à escola, saí do carro com certa pressa, coloquei minha mochila e fui à direção do pátio. André pareceu perturbado com a minha ansiedade.

- Ei, pirralha. Pra que andar tão rápido? É só o primeiro dia. - ele riu.

Riu de MIM! Dá pra acreditar?

- Eu sempre gostei de sentar na primeira cadeira, Deco. Não vai ser hoje que eu vou mudar isso. - cerrei os olhos em sua direção. Parei de andar e olhei pra trás, a fim de encará-lo.
- Quando eu te chamo de “nerd” você não gosta. - ele riu mais. Isso já estava me irritando...
- Eu só não quero perder mais um ano. Posso ir agora? - fiz uma careta e sorri em seguida.
- Vai lá, Alice. A gente se vê no intervalo. - ele piscou e andou na direção contrária a minha.
Voltei a andar. Fui até o corredor onde ficavam as informações sobre turmas e salas e procurei por meu nome. Deslizei o dedo até achar: Sala 14 - 1º B - Alice Müller. Como sempre eu era a primeira da lista, assim não foi tão difícil encontrar. Dei uma breve olhada na lista, poucos nomes desconhecidos... Não era de se assustar. O Instituto Santa Cruz nunca foi de ter muitos e muitos alunos, um colégio menor, apesar de o ensino ser da mais alta qualidade. Andei até a tal sala 14, como me informei. As pessoas estavam em um pique assustador àquela hora da manhã. Não entendo como alguém consegue falar tão alto assim, nessas condições; percebi que a minha mãe não era a única a ter esse "dom”.

Sentei na primeira carteira, bem à frente da mesa do professor. Aliás, outra coisa que devo anotar em minha lista: deixar de ser tão tímida e sentar entre os outros alunos. Não que eu use a primeira carteira como desculpa, nem nada. Eu REALMENTE gosto de me sentar à frente, mas sempre me excluo. Talvez esse seja o fato principal de eu não ter muitos amigos por aqui, além do Deco e da Manu.
Manuela Ribeiro, minha amiga de infância. Ela e o André são os únicos que sabem meu nome completo nesse colégio. Nunca me interessei por procurar amigos, tão pouco por apresentar tal interesse. As pessoas daqui nunca se importaram também, que diferença faria? Cada segundo dentro daquela sala era mais um tormento pra mim. Alguns rostos desconhecidos, a maioria visto há anos. E nada da Manu chegar...

- Alice! – gritou ela, vindo saltitante na minha direção, toda sorridente.

- Manuela, atrasada logo hoje? – levantei da cadeira e, na mesma empolgação, abracei a minha melhor amiga.

- Ah, perdi a hora. Nada fora do normal... – ela riu.

- Não mesmo. – a essa altura já estávamos conversando empolgadamente.

A aula de literatura passou voando. Eu e Manuela não nos falávamos há quase duas semanas e, acredite: isso é muito tempo para a gente. Recebemos uma série de olhares feios da professora Carmen, mas nada nos afetava e nos tirava a concentração da conversa.

As outras duas aulas que passaram pareciam não fazer tanta diferença pra mim. Até porque primeiro dia de aula não é lá tão útil...

Finalmente o intervalo. Acho que, mesmo com a Manu tagarelando atrás de mim o tempo todo, se escutasse mais alguns poucos minutos da voz do professor Roger, eu dormiria na certa. Saímos da sala e encontramos com o André mais à frente, perto da grade que dá para o refeitório. Àquela altura já estaria lotado e nós teríamos que procurar lugares meio que escondidos por ali.
Não que o refeitório seja muito pequeno, mas os grupinhos já eram formados e sempre pegavam as melhores mesas.
Outra coisa que eu nunca entendi: por que o André insistia em andar comigo e com a Manu? Ele é super bonito – odeio admitir isso – e popular! POR QUE ANDAR COM A GENTE?

Ah, já sei. Aliás, todo o colégio sabe. A Manuela, minha melhor amiga, sempre fora apaixonada pelo Deco, meu melhor amigo. Parece história de filme, não é? Já falei pra Manuela tomar uma providência, já que o André só fica na provocação. Fala sério! Até EU já percebi isso – e eu não sou uma das criaturas mais espertas da face da Terra.

- Ali tem uma mesa legal. – Manuela apontou para os fundos do refeitório.

- Então, Deco? Como foram suas primeiras aulas? – Perguntei a ele enquanto caminhávamos até a mesa que Manu apontara anteriormente.

- Ah, tive literatura e biologia, peguei a Helena e o Álvares. Não suporto nenhum dos dois, quer dizer... – André falava, mais voltando seus olhos para Manuela, que comia uma maça que parecia estar deliciosa pelo jeito como a olhava a cada mordida, do que pra mim.

Então eu passei os olhos pelo resto do refeitório... E lá estava ele. Mais lindo do que nunca, confesso. Aquele cabelo meio cacheado e bagunçado, quase negro, jogado no rosto claro e os grandes olhos verdes azulados – ou seriam azuis esverdeados? Que seja. Eu só sei que aqueles olhos me fascinavam e toda vez que eu olhava pra eles, era como se todos os pelos do meu corpo arrepiassem-se, por mais brega e clichê que isso soe. Quer dizer, eu me sinto idiota – muito idiota – por fazer sempre a mesma coisa todos os intervalos, mas é inevitável não olhar pro Matheus. Matheus Guimarães, na verdade. Eu não tenho direito nenhum de chamá-lo só pelo primeiro nome, na verdade eu nunca falei com ele. E se depender de mim, nunca vou falar.

- Pirralha? – André cutucou meu ombro levemente pra se certificar de que eu ainda estava ali.

Manuela olhou pra mim tentando descobrir pra onde eu olhava e logo entendeu tudo. De repente, Matheus virou-se pra mim e seus olhos encontraram-se com os meus. Logicamente eu estremeci e endureci, como sempre acontece.
Ai, ai, ai. Ele fez de novo! Não foi coisa da minha imaginação, impossível. Até porque a Manu sorriu pra mim daquele jeito malicioso que só ela sabe fazer. Ele... Ele... ELE OLHOU PRA MIM?

- Pirralha? – André começou a me sacudir impacientemente e eu finalmente me toquei que já era a segunda vez que ele me chamava.

- Er... Fala, Deco. – Olhei-o tentando disfarçar e sorri sem graça. Ele apenas me encarou um pouco intrigado e entortou sua boca.

- Você tava aonde esse tempo todo? Nem ao menos me fez mais perguntas ou algo assim, como se costume.

- Me desculpa, eu só estava um pouco desligada. Pensando, sabe? – Olhei Manuela na intenção de obriga-la a me tirar dessa. Ainda sorria sem graça tentando não parecer tão transparente para André.

- Precisamos ir, Alice. Já está na hora da aula. – Manuela se levantou me puxando pelo braço enquanto eu suspirava aliviada. Apenas dei um beijo em André, deixando-o ainda com aquele olhar intrigado no rosto, e fui pra aula com Manu.

É claro que a Manuela não deixou passar aquela oportunidade. Ao me puxar, ela arremeçou o pouco que sobrava de sua maça no cesto de lixo que estava próximo e lançou o seu melhor sorriso - acompanhado de um olhar irresistível - para o André, que nem tentou disfarçar ao soltar uma gargalhada nervosa. Só pude rir com toda aquela situação patética. Se eles se gostavam, POR QUE fugir um do outro? Me diz?! Não entendo, definitivamente.Chegamos mais do que adiantadas na sala. Não havia ninguém - o que muito me agradou. Por conhecer a Manuela como eu conhecia tinha certeza de que perguntas e piadinhas viriam logo... E não deu outra.

- Você podia ao menos me contar que estava de "casinho" com o Matheus, né, Li? – Ela fez um biquinho emburrado enquanto prendia o riso.

- Eu não estou de "casinho" – evidenciei o movimento de aspas com as mãos enquanto olhava pra ela sarcasticamente - com ele, Manuela. Você sabe muito bem disso.

- Sei, sei bem. E aquela olhada que ele te deu? Aliás, não foi uma olhada qualquer, foi A olhada, né? – Ela me olhava com aquele sorrisinho malicioso de sempre, tentando me deixar sem graça. E conseguiu.

- Ora, eu não dei motivos pra ele me olhar daquele jeito. E nem foi uma olhada tão... olhada assim. – Contrai meus lábios e a olhei insegura. – Foi?

- Larga de ser tão modesta, Alice! Quer dizer, nós duas sabemos que não somos populares e que existem garotas extremamente mais bonitas que a gente nesse colégio... Mas você também não pode querer se fazer de boba e não admitir que aquilo foi uma olhada e tanto. E não foi a primeira vez! Você, mais do que ninguém, sabe disso... – Ela sorriu, piscando levemente e saindo da sala em direção ao bebedouro.

Fiquei ali, apenas... pensando. Quer dizer, é estranho, sabe? Eu tenho a total consciência de que o Matheus é alguém inalcançável e que eu nunca vou falar com ele e muito menos, er... ficar com ele. Mas, por que ele faz isso? Ele não tem direito algum de me dar esperanças com esses olhares! De fazer com que eu me encha toda e no dia seguinte simplesmente nem passar por mim ou até mesmo ‘dar o ar de sua graça’. Eu não gosto dele, não gosto! Falando assim até parece que eu sou apaixonada por ele. Só parece porque, definitivamente, eu não gosto nem um pouquinho dele. Não mesmo. Não...? Espero mesmo que não.

Olhei a porta e vi Manu voltando, me endireitei na cadeira ao perceber que a movimentação na sala estava aumentando e que logo o professor entraria. Ela piscou novamente pra mim e se sentou.

- Bom... talvez eu goste - pensei comigo mesma.


O resto do dia foi bom. Calmo, na verdade. Muitos professores novos, ou seja, as aulas se basearam em apresentações e mais apresentações. Digamos que foi um pouco cansativo, mas nada assim tão insuportável.
No final da aula, me despedi de Manu e encontrei com André na entrada, já me esperando dentro do carro. Durante a viagem não ocorreu nada demais. Aquelas mesmas conversas idiotas de sempre e as insistentes reclamações sobre os professores que André fazia, nada fora do normal.

- Tchau, Deco. Se cuida e até amanhã. A gente se fala, qualquer coisa. – Sorri, estalando um beijo em sua bochecha esquerda. Abri a porta do carro e sai, indo em direção a porta da frente rapidamente já que agora a chuva resolveu reaparecer e um resfriado era o que eu menos queria.

- Tchau, pirralha. Se cuida. – Ele acenou, arrancando com o carro em seguida.

Entrei em casa, tudo normal como sempre. Mamãe ainda estava no escritório e eu podia tomar um bom banho quente sem ter que ficar me preocupando com suas perguntas idiotas e a insaciável curiosidade sobre o ‘primeiro dia de aula’. Subi as escadas quase sem forças, despejei tudo em cima da minha cama e corri para o banheiro. Aquela água morna era tudo o que eu precisava agora. Parece que, com o cair da água, desce pelo ralo também as minhas frustrações do dia, é incrível!
Sai do banho um pouco mais aliviada e deitei na cama - já vestida e de cabelos escovados, meus olhos pesavam cada vez mais...
O telefone tocou, levantei num pulo e fui atender.

- Alô?

Ninguém respondia. Como eu odeio esse tipo de coisa. Quer dizer, por que diabos alguém te liga e simplesmente te deixa falando com o vento depois? Hunf! Bufei e coloquei o telefone na base novamente. Agora quem tocava era a campainha. Desci as escadas resmungando, parei em frente à porta e a abri ainda com um visível mau humor.

- Oi, Alice. – Arregalei meus olhos ao vê-lo em minha frente, sorrindo docemente enquanto eu apenas continuava imóvel.
- Eu sei que parece um pouco inconveniente da minha parte, mas eu posso entrar? – Ele ainda sorria me olhando e eu finalmente abri espaço para que ele entrasse.

- Er... Oi, Matheus. – Eu não sabia o que fazer, afinal...


O QUE DIABOS MATHEUS GUIMARÃES ESTAVA FAZENDO NA MINHA SALA DE ESTAR? E ainda por cima olhando minhas fotos antigas? Nós nunca nos falamos, alguma coisa ruim deve ter acontecido e ele era a única pessoa que estava livre pra vir me avisar, só pode. Minhas mãos suavam e eu me sentei nervosa em uma das pontas do sofá branco de três lugares.


- Então? – Perguntei nervosa.

- Eu vim te ver... – Ele me olhou e se aproximou um pouco. Eu arregalei mais ainda meus olhos o encarando. A essa altura ele provavelmente já tinha desistido dessa idéia absurda que acabara de mostrar.

- Me ver? Por quê? – Ainda de olhos arregalados eu o encarava.

- Por que já não me basta mais te ver apenas durante os intervalos. Eu preciso de você por mais tempo...


CREDO! O MULEQUE ENLOUQUECEU! Eu não sabia o que fazer, ele se aproximava a cada momento e eu ia ficando cada vez mais nervosa, cada vez mais arrepiada. As borboletas já não eram mais borboletas e meu estômago estava cheio de mariposas. Seu rosto estava a centímetros do meu e eu não conseguia conter minha respiração, muito menos os meus batimentos cardíacos. Me mantinha rígida e apreensiva, apenas o observando. Ele se aproximou mais e...





Capítulo II – O tempo não para. (em 22 de Julho de 2008)

Segurou o meu rosto da forma mais cuidadosa possível, parecia ter medo de me machucar ou coisa assim. Pude sentir a sua respiração encontrar com a minha que, naquela altura, era completamente falha. Fechei os olhos e fiquei assim, com medo de abri-los e perceber que era... Um sonho?

- Alice, acorda. A janta tá pronta... Vem comer.

Não. Nãnaninanão. Eu já devia ter desconfiado... Como eu sou BURRA! Não passou de um sonho... Hahaha. É lógico que era um sonho! Imagine só: Matheus Guimarães, na MINHA casa, quase ME BEIJANDO! Sonho. Típico de um sonho bobo. Aliás, a descrição de sonho no dicionário deveria ser modificada para: ato e/ou efeito de viver a vida, feito por Alice.
Levantei da cama meio mal humorada – cujo motivo era evidente – e andei cambaleando pela casa, tomada pelo sono. Cheguei à cozinha e lá estava ela: Dona Tereza, minha mãe. Arrumou a mesa tão bonita que deu até pena de sentar e desarrumá-la. Mas era necessário. Nessa mesma hora pude ouvir meu estômago roncar de fome, um pouco vergonhoso, diria eu. Ainda bem que só estávamos nós em casa: eu, mamãe e Pipoca.

Ganhei o Pipoca do André quando fiz 15 anos. Ele disse que queria me dar um presente que eu gostasse e que mudasse um pouco a minha rotina. E não é que mudou? Além de ir à escola, agora eu tenho que cuidar de um hamster gordo e alaranjado.
Outro motivo de piadinha do Deco pra cima de mim. Diz ele que lembrou de mim assim que avistou o Pipoca. Só por causa da cor do pelo dele... Ai dele se fosse pela gordura que envolve o corpinho do hamster. Até porque eu não sou do tipo de menina que se pode chamar de “farta” em relação à massa corporal e curvas. Não mesmo. Meus cabelos são compridos e ondulados nas pontas e a cor é difícil de distinguir, sabe? Um castanho claro, pouco avermelhado dependendo da claridade. Eu chamaria de cor de “Cocker Molhado”, se é que me entende.

- Tá com fome, filha? – minha mãe se virou pra mim, enquanto me servia. Não disse? Mesmo ouvindo o grunhir do meu estômago ela fez QUESTÃO de me perguntar. Coitadinha.

- Demais, mãe. – soltei uma risada fraca – Acabei esquecendo de comer quando cheguei em casa. Essa chuva me deixou sonolenta... – até demais.

- Como foi o primeiro dia de aula? Muitos brotinhos na sua sala?

Eu sabia que ela não ia me deixar escapar. Só não precisava de um comentário tão... Er... Estranho. Brotinhos? Parece até que ela nunca teve a minha idade! Quantos meninos de 15/16 anos são considerados BROTINHOS? Aliás, o que EXATAMENTE é um BROTINHO? Se ela queria perguntar se tinha alguém interessante na minha sala, seria mais legal se fosse direto ao ponto, não é? Mas, mesmo assim, não teria uma resposta muito feliz. No Instituto Santa Cruz os meninos não são lá muito... Interessantes. A não ser o Matheus, lógico. Mas ele não conta, afinal tem 17 anos. Ano passado eu o via mais pelo colégio; parece que o terceiro ano tem tomado conta de boa parte dos intervalos dele.
Meu Deus, o que É que eu estou pensando? Pára de pensar nele, Alice. Agora mesmo!Respirei fundo e olhei para Dona Tereza.

- Não, mãe. Ninguém interessante. – bufei. Acho que ela percebeu.

- Tem certeza? Esse seu olhar não me engana... E o Deco?

- O que? – lancei um olhar de dúvida para ela.

- Nem ele parece interessante pra você?

Ela não me perguntou o que eu acho que ela me perguntou, não é? Espero que não. ONDE JÁ SE VIU? Ela só pode estar brincando.

- Mamãezinha, querida... Desde QUANDO eu me interessaria pelo Deco? – olhei incrédula.

- Vocês sempre se deram tão bem, Alice. Não vejo motivos de não tentarem alguma coisa e... – a interrompi antes que ela pudesse terminar de falar.

- Não, mãe. O André é meu melhor amigo, sempre foi e sempre será. Meu A-MI-GO. Entende? – fiz questão de frisar as sílabas.

Mal sabe ela que a Manu é total e completamente apaixonada pelo Deco. Eu só nunca consegui saber se isso é recíproco... Ele nunca deixa transparecer. Depois que ficou todo estilozinho, com roupas e cabelo na moda, o André me pareceu mais fechado do que tudo. Apesar de que eu o conheço muito bem; mais até do que ele mesmo. Só que ISSO eu ainda não consegui identificar exatamente.
- Ah, claro. Tudo bem. – percebi um sorrisinho no rosto dela. Será que ela nunca vai desistir de me arranjar um namorado?

Comi um pouco de salada, antes servida a mim pela Dona Tereza, só pra abrir meu apetite. Não que eu seja fã de salada, nem nada – muito pelo contrário. Só como porque li uma vez, naquela mesma revista, que vegetais são maravilhosos para a pele e o cabelo. Só que até agora eu não vi melhora nenhuma, nenhuma MESMO. Mas tudo bem... Mamãe sempre diz: a pressa é a inimiga da perfeição. É claro que PERFEIÇÃO propriamente dita é meio que totalmente impossível de eu atingir, mas não custa tentar melhorar.

Peguei um pouco de arroz, feijão e um pedaço muito simpático de carne, sem gordura. Essa coisa de colesterol tá fora de moda, definitivamente.

Comecei a comer, sem pressa. Senti que os olhares de minha mãe insistiam em cair sobre mim e isso me deixou um pouco incomodada. Ela parecia querer falar alguma coisa a todo instante, mas nunca tinha coragem o suficiente de fazê-lo. Resolvi puxar assunto.

- E você, mãe? Alguma novidade no trabalho? – falei encarando meu próprio jantar, mexendo na comida.
- Eu? Na-nada. – ela gaguejou. Gaguejou FEIO. Alguma coisa, na certa, aconteceu.

- Tem certeza, mãe? – olhei para ela e percebi o quão sem graça estava.

- Claro que tenho, menina. Vou me deitar agora, se precisar pode ir ao meu quarto. E lave o que você sujar. – ela terminou de falar sem olhar pra mim, colocou o prato sujo na pia e saiu da cozinha.
Muito estranho. Minha mãe não costumava se comportar assim... Alguma coisa aconteceu e ela está com receio de me contar. Eu pareço tão incompreensiva assim?
Deixa para lá.

Subi para o meu quarto e liguei o computador. Fazia dias que não abria meu e-mail.

Sentei na cadeira, na frente do computador, e procurei por meus fones de ouvido. Outra coisa que garante a paz aqui de casa: não sou obrigada a ouvir as músicas que a minha mãe ouve e ela não escuta as minhas. Ótima política, não acha? Costuma funcionar – pelo menos por aqui.

Falando em coisas que funcionam, preciso imediatamente de um computador novo. Esse aqui não funciona direito nem por reza brava! E olha que não foi pouca... Que seja.

Abri uma página da internet e acessei meu e-mail. Muitas correntes idiotas, que eu deleto antes mesmo de abri-las, algumas mensagens bonitinhas que as amigas de trabalho da minha mãe me mandam todos os dias – que eu também deleto antes de abrir, admito.

Como um flash, lembrei-me do sonho de mais cedo. Um arrepio atravessou cada parte do meu corpo e, agora, eu sentia um pouco de frio – devido ao tempo, era o que eu tentava me convencer. Até quando eu iria sonhar com o Matheus? Digo, não foi a primeira vez... Mas nenhuma das vezes chegou a este ponto! Não era possível. Eu estava me deixando dominar por um sentimento que não deveria me pertencer. Não por ELE. Não era justo comigo, mas que droga! O que eu FIZ, meu Deus?

Pára. Respira fundo. Assim mesmo... Fique calma, Alice. Você vai esquecê-lo, eu sei que vai. Vai sim! Será...?

Eu repito isso todos os dias que ele aparece no meu caminho, e, principalmente, nos meus sonhos. Conheço o Matheus desde que ele entrou no colégio e nunca tive coragem de chegar perto dele. Nem por um metro; nada. Devo ser a pessoa mais covarde que eu conheço, sem dúvidas. Mas acho que parte dessa covardia é "amor à vida". Quero dizer, Matheus Guimarães é totalmente inalcançável para alguém como eu... Até porque ele é rodeado de meninas lindas e... E... Nunca vai olhar pra mim. Não como EU olho pra ele. Esqueça-o, Alice. Eu sei que você consegue! Você tem que conseguir.

Acabei de olhar minha caixa de mensagens e fiquei alguns segundos encarando o monitor. Bom mesmo seria se tudo fosse verdade. MAS, QUE COISA, ALICE! QUER PARAR? Bufei. Preciso me distrair, definitivamente. Abri mais uma página do Internet Explorer e como um impulso, digitei: blogspot.com
Era o que eu precisava agora. Fazer um blog tomaria o meu tempo, eu não teria mais disponibilidade mental pra pensar nele.

Enquanto a página carregava, eu batia meus dedos insistentemente na escrivaninha.
Já sei! Relicário. É um ótimo nome pra blog, não? Ficaria bom, muito bom. Nandinho - como fã eu também me acho íntima dos meus ídolos, tipo o Nando Reis - sempre foi alguém muito inspirador.
A página finalmente abriu e eu estava pronta pra começar até que:

ATUALIZADOS ÀS 9:12

Estranho seria se eu não me apaixonasse por você.



Cliquei curiosa no link. Afinal, não é todo dia que você encontra um blogueiro com o mesmo gosto musical que o seu. Ok. Várias pessoas gostam de Nando Reis, mas pensar em colocar um trecho de uma música de mesmo gênero musical igual ao que escolhi como nome do blog não é lá tão comum.

Comecei a vasculhar a página a fim de encontrar mais detalhes que me interessassem. Resolvi começar a ler desde o princípio. Aquilo tudo me parecia uma história – dessas que a gente lê em fic de banda, sabe? Ajeitei-me na cadeira, e finalmente voltei minha atenção àquele texto.


-


Capítulo 1Seus Olhos.


Lá estava ela, mais uma vez debruçada suavemente no parapeito daquela janela. A mesma janela que me atrai olhares todas as manhãs. A mesma janela que às vezes me decepciona ao mostrar seu interior, mostrar que ela não está só. Seu mosqueteiro ainda a acompanha.Os cabelos levemente claros e avermelhados tocando seu rosto de acordo com os movimentos delicados do vento, e... seus olhos. Os mesmos olhos que me enfeitiçam ao amanhecer. Os olhos cor de cobre, com um doce clarear a luz do sol. Os olhos que às vezes encontram os meus, que fazem meu estômago embolar e meus lábios darem espaço a um sorriso.E aqui estou eu. Mais uma vez receoso, um covarde amedrontado que nem ao menos sabe como cortejar a sua amada. Um patético homem tentando acreditar no que seu fiel escudeiro diz: ‘o tempo não pára’ e se um dia, eu a quiser só minha, eu preciso agir.


O cavaleiro solitário.

-


Fiquei olhando pra tela por alguns instantes. Quer dizer, o modo como as histórias eram semelhantes me assustou um pouco. Não que eu esteja pensando que Matheus Guimarães tenha feito um blog só pra desabafar um SUPOSTO amor não correspondido por mim. Claro que não, eu não pensei isso. De maneira nenhuma, na verdade. Existem muitas meninas de cabelo castanho avermelhado na face da Terra... No Brasil para ser mais exata. Claro que o cabelo delas deve ser bem mais cuidado que o meu e tudo mais – chega! Isso não vem ao caso. A questão é: eu preciso parar de relacionar tudo a ele. O mundo não gira em torno dos meus problemas, isso é óbvio.

Respirei calmamente por alguns segundos – isso já estava virando paranóia. Voltei a prestar atenção na página.
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Capítulo 2Anjo dos meus pesadelos.
É incontrolável a maneira como o meu olhar está sempre sobre ela, a maneira como ela só fica mais linda e doce a cada dia, a maneira como ela já não sai mais de minha cabeça.
A tarde chega, e eu preciso partir. Partir e deixa-la ali, debruçada no mesmo parapeito, da mesma janela. Partir sem saber se a verei no dia seguinte, partir na esperança de... um dia poder estar com ela.
Meus sonhos viram pesadelos e tudo que eu sei fazer é por ela, eu só sei pensar nela e é por ela que eu acordo todas as manhãs. O anjo que aparece em todos os meus pesadelos, o anjo tranqüilizador, que transforma meu inferno emocional em... um lugar maravilhoso. Wonderland.
O cavaleiro solitário.
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Wonderland? Isso não me é estranho. Sei que conheço de algum lugar essa expressão e... WONDERLAND? Quero dizer, tá em inglês, dã. Mas... PAÍS DAS MARAVILHAS? O MESMO DA... DA... DA ALICE?! Só pode ser alguma piadinha. Quer dizer, foi só coincidência! Isso não tem nada a ver com "Alice no país das maravilhas". Definitivamente não tem. Eu sei que não... Será mesmo que não?
Respirei fundo e girei o assento da cadeira, a fim de movimentar-me junto com o mesmo, na tentativa – inútil – de abandonar meus pensamentos no ar. Parei, olhei novamente para o monitor. Respirei – mais uma vez.
Melhor parar de ler um pouco. Pelo menos essa parte. Afinal, como se já não bastasse as caraminholas que haviam ficado em minha cabeça devido ao sonho, agora eu ainda tenho que "aturar" isso? Matheus Guimarães, VOCÊ NÃO TEM DIREITO NENHUM DE FAZER ESSE TIPO DE COISA COMIGO! Enchi as bochechas de ar, enquanto espalmava minhas mãos sobre a escrivaninha. Analisei novamente a página e me deparei com um bilhete do lado direito da tela – aqueles quadradinhos com breves mensagens, sabe?

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P.S: hoje ela olhou pra mim. *-*
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Um frio incontrolável subiu pela minha espinha fazendo com que todos os pelos de meu corpo se arrepiassem.Céus, estou ficando maluca e psicótica. Fato.Escutei o telefone tocar, distraindo-me das coisas "dele" e atendi.

- Alô?
- Li, ainda bem que foi você quem atendeu. Eu não estou nada bem. – Manuela chorava irritantemente do outro lado da linha, falando entre soluços.
- Ain, meu Deus! O que houve, Manu?

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Organizando.

Seria bom começar com um imenso pedido de desculpas, certo? O abandono do blog e da história não foi proposital, acreditem. É que tivemos alguns problemas pessoais e, por isso, dificuldade para escrever durante esses meses. Fora isso, gostaríamos de nos desculpar também pelos erros e incoerências de alguns trechos de Um certo (des)caso. Passamos essas últimas semanas revisando-os e corrigindo-os para que pudéssemos fazer repostagem de todos os capítulos (junto com os últimos) agora, organizando o blog e melhorando a qualidade da leitura. Então, não se preocupem, todos os posts foram deletados, mas a história vai ser recolocada aqui e logo vocês vão poder matar a curiosidade! Obrigada a quem sempre se preocupou e deu força para que Alice Müller continuasse por aqui. No mais, agradecemos a paciência de vocês conosco e esperamos não desapontá-los agora, aos últimos suspiros (?) da história.

Para manter vocês, leitores, um pouco mais situados, resolvemos listar todos os capítulos e suas respectivas datas de postagem antes da reforma:
Capítulo I - Doce Rotina. (em 21 de Julho de 2008)
Capítulo II - O tempo não para. (em 22 de Julho de 2008)
Capítulo III - Ilusão. (em 29 de Julho de 2008)
Capítulo IV - Vende-se um coração. (em 02 de Agosto de 2008)
Capítulo V - Ciúmes versus Indecisão. (em 10 de Agosto de 2008)
Capítulo VI - Confissões. (em 23 de Agosto de 2008)
Capítulo VII - Coicidências acontecem. (em 27 de Setembro de 2008)
Introdução ao Capítulo VIII - Querido Diário... (em 18 de Outubro de 2008)
Capítulo VIII - Baile de máscaras. (em 04 de Dezembro de 2008)
Capítulo IX - Utopia. (em 21 de Dezembro de 2008)
Capítulo X - Queda-livre. (em 08 de Janeiro de 2009)
Capítulo XI - Recomeço. (em 09 de Fevereiro de 2009)
Os capítulos seguintes não foram postados por não terem sido terminados, mas serão postados após a reforma, finalizando a história.

Maria Gabriella Andrade e Mariana Costa.